7 de outubro de 2023

Rabisca

Quando adolescente eu tinha mania de escrever sobre o quanto minha vida era miserável e tentei abandonar esse hábito de ovação eterna à dor, tristeza, miséria, angústia. Agora, no entanto, sem perceber eu continuo viciada em reclamações, lamúrias e preocupações. Me dá vontade de falar sobre as dificuldades de manejar aulas, sobre a ansiedade, especialmente a de esperar um ônibus atrasado no medo de ter perdido ele (último horário do dia)...
— Pra São Xico. 
 ...sobre o calor e desconforto de estar no ônibus, a dor no meu pescoço e caneta que esqueci em um lugar aonde não volto tão cedo...
... Mas dificilmente verbalizo os instantes de apreciação do reflexo que o poente imprime em tudo que alcança com seu ouro. Dificilmente verbalizo a satisfação por cada um dos objetos que posso manusear com gosto. Tenho mais vontade de reclamar que 'tou sem celular, que agradecer a oportunidade de usar o caderno. Apesar de ele ter sido um instrumento de lamúrias lamentos white male tears, ele foi também um catalizador, salvador de vida de quem tinha vontade de morrer de tanta autoincompreensão e vazio existencial. O instrumento fazedor de belezas de flores
que nasciam na rua
de damas da noite
que nasciam na Lua
de flores de mandacaru no agreste
dentes de leão no forte
vento do leste 
pro éste
flores mortas
de plástico
espinhosas
ardidas
fedorentas

Bosta é literalmente o fertilizante por excelência 
pras flores 
e pra hortaliças
que nascem
porque a mão

rabisca